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Wednesday, May 24, 2006

MAPAS DAS VIAS ROMANAS (SUL DE PORTUGAL)

Cartografia histórica do Sul de Portugal Romano

Catálogo bibliográfico dos estudos cartográficos sobre a rede viária romana

Conventus Pacensis
Alentejo, Baixo Alentejo e Algarve, Algarve, partes do Algarve

Introdução
Muito pouca atenção tem sido dada aos mapas de reconstituição do povoamento e, sobretudo, da rede viária na Época Romana.
Têm sobretudo servido como meras ilustrações de estudos, sem que exista uma avaliação sistemática dos seus valores geográfico e semântico, nem uma percepção da evolução historiográfica da representação da ocupação romana do território e do conhecimento sobre a rede viária.
Esse plano menor da cartografia decorre, em grande parte, da iliteracia cartográfica da maioria dos arqueólogos e historiadores, a quem esses mapas geralmente se destinam, e da ausência de geógrafos profissionais na produção científica e no estudo da geografia histórica da Antiguidade.

O catálogo seguinte é provisório, construído rapidamente com os recursos limitados de uma biblioteca doméstica. No entanto, a sua dimensão, escopo temporal e diversidade de perpespectivas permitem já uma abordagem significativa do tema.

Cada mapa identifica-se pelo ano, seguido de um nº de ordem e do nome do autor. Para a publicação na net, todas as imagens foram redimensionadas com 400 pixels de largura e, algumas delas, cortadas de modo a incluir apenas o território de estudo.
O catálogo Inclui as sucessivas versões de reconstituição da rede viária romana, pelos mesmos autores ou por autores distintos, por ordem cronológica.

Espero, com o tempo, ir acrescentando comentários ou pequenas análises sobre cada mapa.


CATÁLOGO
17xx.1 António Ribeiro dos Santos
Tabula veteris Lusitanae celticae
parte do mapa in António Ribeiro dos Santos, Tabula veteris Lusitanae celticae, Lisboa 2ª metade séc. XVIII. Bibl. Nacional Digital [460152] CDU 913.65(084.3)
Âmbito: nacional
Nota: Sem representação da rede viária

1849.1 Alexander G. Findlay
Ancient Hispania
parte do mapa in Alexander G. Findlay. A Classical Atlas of Ancient Geography, Harper and Bros., New York 1849
Âmbito: peninsular
Nota: Sem representação da rede viária


18xx.1 Anónimo inglês
Southern Iberia
Iberia: Map 2; http://penelope.uchicago.edu/Thayer/E/Gazetteer/Maps/Periods/Roman/Places/Europe/Iberia/2.html
Atlas escolar do mundo romano (em inglês); finais séc. XIX
Âmbito: peninsular



1948.1 Abel Viana, José Formosinho, Octávio Veiga Ferreira
Caminhos e achados romanos nas Caldas de Monchique
p.4 (Fig. 1) Abel Viana et alii. Restos de caminhos romanos nas Caldas de Monchique. Separata dos nºs 29-30 da "Revista do Sindicato Nacional dos Engenheiros Auxiliares", Lisboa 1948
Âmbito: local



1960.1 Abel Viana
Carta das estradas e caminhos carreteiros principais, antigos e modernos, do Baixo Alentejo e Algarve
p. 217 (Fig. 43) in Abel Viana "Notas Históricas, Arqueológicas e Etnográficas do Baixo Alentejo. Senhora da Cola" in Revista Arquivo de Beja, vol. XVII, Beja 1960; pp 138-231
Âmbito: regional



1960.2 José Garcia Domingues
Estradas romanas e árabes
p. 106 in José Garcia Domingues. "O Garb extremo do Ândalus e «Bortuqal» nos historiadores e geógrafos árabes" in José Garcia Domingues, Portugal e o Al-Andalus, Hugin, Lisboa 1997, pp. 81-116. Edição original em Separata do "Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa", Julho-Dez., 1960.
Âmbito: nacional



1963.1 Mário Sáa
Carta Itinerária ao Sul do Tejo, para os tomos IV e V de As Grandes Vias da Lusitânia
Parte do mapa dobrado na contracapa in Mário Sáa. As grandes vias da Lusitânia. O Itinerário de Antonino Pio, vol. IV, s. ed., Lisboa 1963
Âmbito: regional


1972.1 Maria Luísa Estácio da Veiga Affonso dos Santos

Reconstituição conjectural do traçado de viação romana do Algarve
p. 392-3 (mapa nº 5, 6 no índice) in Maria Luísa Estácio a Veiga Affonso dos Santos. Arqueologia Romana do Algarve, volume II, Associação dos Arqueólogos Portugueses, Lisboa 1972
Âmbito: regional


1979.1 Giuseppe Motta (dir.)
Divisione Augustea della Spagna
Parte do mapa p. 25 in Giuseppe Motta (dir.) Atlante Storico,Instituto Geografico de Agostini, Novara 1979
Âmbito: peninsular



1982.1 Jover Zamora, J. M.
Limites dos conventus da Lusitania
p. 113 in Jover Zamora (dir.). Historia de España romana, tomo 2:1, Espasa-Calpe, Madrid 1982
Âmbito: peninsular



1983.1 Jorge de Alarcão
Mapa das vias e povoações da parte sul de Portugal
p. 73 (Fig. 5) in Jorge de Alarcão. Portugal Romano, 3ª ed., Ed. Verbo, Lisboa 1983
Âmbito: regional



1984.1 Vasco Gil Mantas
Mapa de localização
p. 853 (Mapa 4) in José d'Encarnação. Inscrições romanas do Conventus Pacensis, Univ. de Coimbra, Coimbra 1984
Âmbito: regional


1987.1 Manuel Andrade Maia
Vias romanas
s/n. mapa 25, Vol 2 in Manuel Andrade Maia. Romanização do território hoje português a sul do Tejo, Dissertação de doutoramento, policopiado, Faculdade de Letras, Lisboa 1987
Âmbito: regional



1987.2 Manuel Andrade Maia
Vias romanas
s/n. mapa 26, Vol 2 in Manuel Andrade Maia. Romanização do território hoje português a sul do Tejo, Dissertação de doutoramento, policopiado, Faculdade de Letras, Lisboa 1987
Âmbito: regional



1988.1 Jorge de Alarcão
Estradas romanas do Sul de Portugal
p. 93 (parte da Fig. 20) in Jorge de Alarcão. O Domínio Romano em Portugal, Europa-América, Lisboa 1988
Âmbito: regional



1990.1 Vasco Gil Mantas
Cidades e villas da Lusitânia: os grandes eixos viários e a implantação rural (sécs. I a V d.C.)
A implantação do povoamento é da autoria de J-G. Gorges
p. 104 (Fig. 3) in J-G. Gorge. "Villes et villas de Lusitanie. Interactions-échanges-autonomies" in J-G. Gorges (org.). Les villes de Lusitanie Romaine, CNRS, Paris 1990; pp. 91-113
Âmbito: sub-peninsular



1990.2 Vasco Gil Mantas
Localização e principais vias de comunicação das cidades marítimas lusitanas
p. 153 (Fig. 1) in Vasco Gil Mantas "As cidades marítimas da Lusitânia" in J-G. Gorges (org.). Les villes de Lusitanie Romaine, CNRS, Paris 1990; pp. 149-205
Âmbito: nacional



1991.1 José Manuel Garcia
Povoações e vias de Portugal durante o Império Romano (séculos I a. C. e V d. C.)
p. 201 (Ilustr. VII) in José Manuel Garcia. Religiões Antigas de Portugal. Aditamentos e observações às "Religiões da Lusitânia" de J. Leite de Vasconcelos. Fontes epigráficas, IN-CM, Lisboa 1991
Âmbito: nacional



1993.1 Jorge de Alarcão
Rede viária principal do "Portugal romano"
As linhas a cheiro indicam os traçados devidamente identificados e as quebradas os trejectos conjecturais
p. 258; in Carlos Fabião. "O passado Proto-Histórico e Romano" in História de Portugal, dir. José Mattoso, vol. 1, Ed. Estampa, Lisboa 1993; pp. 77-300
Âmbito: nacional



1993.2 Vasco Gil Mantas
As vias romanas de Portugal
p 220 in Vasco Gil Mantas. "A rede viária romana do território português" in João Medina (dir.), História de Portugal - Dos tempos pré-históricos aos nossos dias, Ediclube, Amadora 1993; pp. 213-230.
Âmbito: nacional



1995.1 TIR
Tabvla Imperii Romani - Emerita-Scallabis-Pax Ivlia-Gades - J-29 Lisboa
parte do mapa na bolsa da contracapa in Comité Español (Domingo Plácido, pres.) Tabvla Imperii Romani. Hoja J-29: Lisboa , Inst. Geográfico Nacional de España, Madrid 1995
Âmbito: sub-peninsular



1996.1 F.H. Stanley, Jr. (org.)
Lusitania
Parte do mapa "Map 26 Lusitania-Baetica" in Richard J.A. Talbert (ed.), Barrington Atlas of the Greek and Roman World, Princeton Univ. Press, Princeton 2000
Âmbito: sub-peninsular



1997.1 Vasco Gil Mantas
A rede viária romana do Algarve
p. 313; in Vasco Gil Mantas. "Os caminhos da Serra e do Mar" in Noventa Séculos entre a Serra e o Mar, Maria Filomena Barata e Rui Parreira (concep.), IPPAR, Lisboa 1997; pp. 311-325
Âmbito: regional



1997.2 Raymond Chevallier
Schéma du réseau espagnol
p. 262 (Fig. 168); in Raymond Chevallier. Les Voies Romaines, Picard, Paris 1997
Âmbito: peninsular



1998.1 Helena Catarino
Traçados hipotéticos de algumas vias e caminhos do Algarve Oriental
p. 661 (Fig. 59, vol. II) in Helena Catarino. "O Algarve Oriental durante a ocupação Islâmica" in al'ulyã nº6, 1997/98, Arq. Histórico Municipal de Loulé, Loulé 1998; 3 vols.
Âmbito: sub-regional



2000.1 João Pedro Bernardes
A antiga rede viária e o povoamento
extra p. 24/25 (Mapa 1) in João Pedro Bernardes e Luís Filipe Oliveira. A "Calçadinha" de S. Brás de Alportel e a Antiga Rede Viária do Algarve Central, policopiado, Faro 2000. Impresso em 2002 pela Câmara Municipal de S. Brás de Alportel
Âmbito: sub-regional



2000.2 Gonzalo Arias
Mapa-Indice de vías romanas y caminos milenarios de Hispania
Revisión de enero de 2000
Anexo de El Miliario Extravagante nº 72, Cortes de la Frontera, Fev. 2000
Âmbito: peninsular



2000.3 Luís Fraga da Silva
Rede viária antiga do Algarve Central
Mapa 2 (bolsa na contracapa) in Maria Garcia Pereira Maia, Levantamento da carta arqueológica de Cachopo, Campo Arqueológico de Tavira, Tavira 2000
Âmbito: sub-regional



2002.1 Vasco Gil Mantas
Vias romanas de Portugal
p. 408 (Fig. 4: Mapa de situação) in António Nunes Pinto. "A propósito dos pequenos bronzes figurativos romanos: itinerários difusores" in J-G. Gorges et alii (eds.) V Mesa Redonda Internacional sobre Lusitania Romana (Cáceres-2002) : Las comunicaciones, Min. Cultura, Madrid 2004; pp. 391-408
Âmbito: nacional



2002.2 Vasco Gil Mantas
Principais vias e portos da Lusitânia
p. 430 (Fig. 1) in Vasco Gil Mantas. "Vias e portos na Lusitânia romana" in J-G. Gorges et alii (eds.) V Mesa Redonda Internacional sobre Lusitania Romana (Cáceres-2002) : Las comunicaciones, Min. Cultura, Madrid 2004; pp. 427-453
Âmbito: nacional



2002.3 Salinas de Frias e Rodriguez Cortés
Las vias romanas en Lusitania
p. 279 (Fig. 1) in Manuel Salinas de Frias e Juana Rodriguez Cortés. "Corrientes religiosas y vías de comunicación en Lusitania durante el Imperio Romano" in J-G. Gorges et alii (eds.) V Mesa Redonda Internacional sobre Lusitania Romana (Cáceres-2002) : Las comunicaciones, Min. Cultura, Madrid 2004; pp. 277-292
Âmbito: sub-peninsular



2002.4 Luís Fraga da Silva
A rede viária do Sul da Lusitânia
p. 135 (Mapa 4) in Luís Fraga da Silva. São Brás de Alportel na Antiguidade, Campo Arqueológico de Tavira, Tavira 2002
Âmbito: regional



2004.1 Sandra Rodrigues
As Vias Romanas do Algarve - Mapa Geral
p. 29 in Sandra Rodrigues, As vias romanas do Algarve, Univ. Algarve e CCDRA, Faro 2004
Âmbito: regional



2004.2 Gonzalo Arias
Mapa-Indice de vías romanas y caminos milenarios de Hispania
Revisión de diciembre de 2004
Anexo de El Miliario Extravagante nº 91, Cortes de la Frontera, Dez. 2004
Âmbito: peninsular



2005.1 Luís Fraga da Silva
Algarve Romano. Síntese do povoamento e rede viária
Mapa D (anexo) in Luís Fraga da Silva. Tavira Romana. A ocupação da zona de Tavira na ÉpocaRomana, Campo Arqueológico de Tavira, Tavira 2005
Edição digital em http://www.arqueotavira.com/balsa/tavira/Mapa-Dr.pdf (revisão de Maio 2006)
Âmbito: regiona
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2005.2 Luís Fraga da Silva
Sul da Lusitânia. Síntese corográfica e viária
Mapa 24 in Luís Fraga da Silva. Geografia urbana da cidade romana de Balsa (Atlas digital), Campo Arqueológico de Tavira, Tavira 2005
Edição digital em http://www.arkeotavira.com/alg-romano/geral/sul-lusitania.pdf (revisão de Maio 2006)
Âmbito: regional

Monday, May 22, 2006

NOMENCLATURA E TIPOLOGIA VIÁRIA


O principal aspecto caracterizador da função viária é, naturalmente, a existência de vias onde se processa o trânsito.
Outros aspectos relevantes são as estruturas viárias edificadas, os meios de transporte e as actividades relacionadas com a presença de estradas.

A toponímia reflecte frequentemente esta realidade através da nomeação dessas entidades territoriais, quer como designações quer como designados.
Os termos escolhidos pela selecção natural milenária dos nomes de lugar revelam aspectos que são privilegiados na sua identificação.

A tabela seguinte, em modo imagem, apresenta uma tipologia de termos viários em Português e respectiva nomenclatura. Esta será oportunamente completada.

Actividades

Associados aos caminhos estabelecem-se locais de actividades sobre ou na vizinhança de pontos de passagem. Estas actividades definem-se como pontos de referência, através de:

1. Designação da actividade ou situação
2. Lugar
2.1. Sítios, estabelecimentos
2.2. Estruturas
2.3. Transformações resultantes da actividade
3. Agentes associados à actividade
3.1. Profissões
3.2. Etnias
3.3. Estatutos
3.4. Situações pessoais
3.5. Grupos sócio-religiosos
4. Meios
4.1. Objectos, instrumentos
4.2. Substâncias, materiais e matérias-primas
4.3. Produtos e desperdícios da actividade
5. Acções
5.1. Operações
5.2. Eventos
5.3. Datas e períodos do calendário
6. Signos
6.1. Marcas, Gravuras
6.2. Atributos e qualidades associados à actividade
7. Dedicações religiosas próprias (para actividades não religiosas)
7.1. Entidades
7.2. Signos
7.3. Propriedades sagradas
7.4. Contextos identificadores

Wednesday, May 10, 2006

CÓNIOS ?

Os etnónimos KUNETAS/KOUNEOUS/KONIOIS e os corónimos CONISTORGIS, CINETUM e CUNEO.
Uma revisão das fontes greco-romanas (430 a. C. a 370 d. C.).

Sobreviveram 25 referências em fontes da Antiguidade, correspondentes a 15 autores.
Apresenta-se neste post a sua compilação exaustiva, referindo o autor, época, bibliografia, étimo (transliterado e em caracteres gregos quando necessário) e contextos literários originais, em grego ou latim e respectiva tradução portuguesa.

Devido às limitações da formatação dos blogs as tabelas apresentam-se como imagens.

Etnónimos, por ordem alfabética

  • Cunienses......Cronografo de 354
  • Curetes........Pompeu Trogo (em Justino)
  • Cynetas........Avieno
  • Koniois........Políbio
  • Konnioi........Hipólito de Roma
  • Kouneous.......Apiano
  • Kunesioi.......Herodoro de Heracleia (em Estevão de Bizâncio)
  • Kunesioisi.....Heródoto
  • Kunetas........Heródoto
  • Kunetes........Heredoro de Heracleia (em Estevão de Bizâncio e Constantino VII)

Povoações

  • Conisturgim....Salústio
  • Konistorgei....Apiano
  • Konistorgin....Apiano
  • Konistorgis....Estrabão

Corónimos

  • Cuneo..........PompónioMela
  • Cuneus.........Pompónio Mela, Plínio
  • Cyneticum......Avieno
  • Cynetum........Avieno
  • Kouneon........Estrabão
  • Kuneticon......Heredoro de Heracleia (em Estevão de Bizâncio)

pág. 1

pág. 2

pág. 3

Conjectura de evolução linguística
O diagrama seguinte apresenta um modelo conjectural da evolução cronológica e linguística do etnónimo KUNETAS/KUNESIOI e dos corónimos associados, a partir das formas registadas nas fontes greco-romanas.
Chama-se a atenção dos leitores para o facto de ser um modelo experimental, não validado por filólogos credenciados.



Não sobreviveu nenhuma forma latina do etnónimo nas fontes. Apenas do corónimo CUNEUS, CUNEO, já do Império, mas compatível com a forma grega do etnónimo KOUNEOUS.
A forma CONII e a sua tradução CÓNIOS são uma invenção moderna baseada na forma grega KONIOIS.
De facto, a tradução de KUNETAS/CUNEUS em latim, sobretudo no plural, levanta delicados problemas aos autores latinos e posteriores latinistas, devido à enorme semelhança com cunni, no sentido obsceno de orgão sexual feminino (e, simultaneamente de coelho, dualismo semântico que ainda se mantém hoje em espanhol).
Avieno transforma o u grego em y, alterando o valor da vogal (CUNETAS > CINETAS).
O "Cronógrafo de 354" é mais cauteloso e traduz KONNIOI (em Hipólito) por CUNIENSES.
Os latinistas modernos preferem as formas CONII e CUNAEI, não documentadas nas fontes.
É possível que a forma indígena corrente no início da dominação romana fosse semelhante a *COUNEUS, o que justificaria as vocalizações CO-, COU- e CU- assim como os plurais helenizados em -IOIS e -EOUS e as formas latinas CUNE-US,-O.

Monday, May 08, 2006

O papiro de Artemidoro de Éfeso

Parte do manuscrito de Artemidoro, relativa à Península Ibérica

Le tre vite del Papiro di Artemidoro
Voci e sguardi dall'Egitto greco-romano
org. Claudio Gallazzi e Salvatore Settis
cat. exposição Palazzo Bricherasio; 8 fev-7 mai 2006; Torino
Electa, Milano 2006
p. 157

Tradução do italiano, não corrigida pela consulta da versão crítica (il Papiro de Artemidoro, C. Gallazzi, B. Kramer, S. Settis e G. Adornato, Milano LED 2006)

A versão do catálogo peca sobretudo pela tradução dos topónimos e corónimos, o que retira à obra uma importantíssima informação linguística e geográfica. Ainda por cima o critério de tradução não é consistente, umas vezes mantém formas do original grego (Gadeira), outras não (Ebro), outras ainda indesculpavelmente anacrónicas (Espanha). A revisão do texto também não é muito cuidada (Alacer por Alcácer, Gorbera por Gorbea...).

Mais graves são os erros de ignorância e preguiça bibliográfica. É o caso de Maria Patrizia Gulletta, que escreve sobre a Península Ibérica, (pp. 88 a 109), ao afirmar que Ipsa e Cilibe são apenas conhecidos pelas suas cunhagens monetárias, que a Lusitânia corresponde ao Portugal actual (por duas vezes), que Onuba Aestuaria se situa "na vizinhança" da moderna Huelva e continuando a confundir o Promontório Sacro com o Promontório Cuneo! (p. 91).

Enfim, após estes desabafos, eis o famoso texto, que terá sido escrito entre 106 e 102 a.C.

[Nota: A separação de linhas e a numeração não existe no texto original, sendo da minha responsabilidade. Destina-se a estruturar a informação e facilitar o seu comentário. O texto entre [] é meu.]




01. Partindo dos Pirenéus até à zona de Gadeira, incluindo as áreas mais interiores, todo o território é chamado indiferentemente, ou Ibéria ou Hispania.

02. Este território está dividido pelos Romanos em duas províncias:

03. A primeira [Citerior] compreende toda a região que vai dos Pirenéus a Carthago Nova, a Castulo e às nascentes do Baetis.

04. A segunda [Ulterior] compreende, por sua vez, as terras até Gadeira e a totalidade da Lusitânia.

05. O contorno completo do território, é o seguinte:

06. Os Pirinéus dividem a Gália e a Ibéria.

07. Uma das suas duas extremidades, voltada a Sul, estende-se até ao Mare Nostro [Mediterrâneo];

08. a outra extremidade, voltada para o Setentrião, avança sobre o Oceano.

09. Quanto às suas vertentes, uma está voltada para Oriente e dela se avista um sector bastante amplo da Gália;

10. a outra, por sua vez, está voltada para Ocidente e dela se vê uma parcela correspondente da Ibéria.

11. Com isto estabelecido é necessário pensar nos outros três lados que delimitam a Ibéria.

12. Um dos lados vai dos Pirenéus a Gadeira: é o que se estende ao longo do Mare Nostro [Mediterrâneo], isto é, o mar no interior das Colunas de Hércules, e que é paralelo às terras voltadas a Sul.

13. O segundo lado, que se banha nas águas do Oceano e que se orienta a Norte, estende-se para Oeste e junta-se ao

14. terceiro lado, que está a Ocidente, onde se situam a Lusitânia, o supracitado Promontório Sacro e a inteira região de Gadeira.

15. Naqueles sectores que são limítrofes aos Pirenéus, uma parte da Ibéria prolonga-se para Oriente e delineia parte de um golfo de amplitude considerável, que se desenvolve no extremo dos supracitados montes; este golfo une-se com o Golfo Gálico.

16. Tal é a forma completa de Ibéria.

17. Reassumiremos agora o trajecto por mar ao longo da sua costa, de modo a permitir adquirir um conhecimento geral das distâncias que separam as várias localidades.

18. Do promontório de Afrodite Pirenaica até à cidade de Emporion, colónia dos focenses, [são] 332 estádios [stadia. Um stadium mede cerca de 185 m].

19. Desta à cidade de Tarrakon, 1808 [estádios].

20. De ali ao rio Ebro, menos de 92.

21. Deste ao rio Sukron, 1048.

22. De ali a Carthago Nova, 1240.

23. De Carthago ao monte Calpe, 2020.

24. Deste a Gadeira, 544.

25. No total, dos Pirenéus e do Aphrodision até Gadeira são 7084 estádios.

26. De Gadeira à torre e porto de Menesteo, em conjunto, são 7170 estádios.

27. Destes até à segunda foz do rio de Asta, 120 [estádios].

28. Desta até ao rio Baetis, 684.

29. Deste até Onoba, 280.

30. De ali a Mainoba...

31. Desta até à cidade de Ipsa, 24.

32. Desta até ao estuário do Anas, em linha recta até ao ponto em que se situa a cidade de Cilibe, 70 estádios.

33. Depois da foz do Anas vem a extremidade do Promontório Sacro; até à [sua] ponta são 992 estádios.

34. Dobrado o promontório, até à torre e porto de Salacia, 1200 estádios.

35. E dali até à foz do rio Tagus, 320.

36. Desta ao rio Durio, 1300.

37. Depois deste, a 180 estádios, fica o rio Oblivio, que é também chamado Lethe e Limia.

38. Depois deste, até ao Benis ou Minion, 110.

39. Deste até ao Promontório dos Artabri, menos de ...

40. Deste a Megas Limen, cerca de 98.

41. Da parte restante da costa ainda ninguém fez o reconhecimento.


Mapa do Périplo Ibérico de Artemidoro


Alguns comentários rápidos.

  • Os numerais são, em princípio, suspeitos e alguns poderão corresponder a erros tipográficos do catálogo. Seria importante comparar os valores com os da edição científica.

  • Certas números (com erros de uma ordem de grandeza, isto é, cerca de 10 vezes maiores ou menores) são claramente erros de transcrição. É o caso evidente das linhas 26 e 31. Os restantes valores são mais aceitáveis, embora o total da linha 25 (7084 stadia) não corresponda à adição das parcelas das linhas 18 a 24 (que dá 6540).

  • Gadeira (linhas 24 e 26) pode corresponder talvez ao Herakleion e não à cidade. Os 7170 stadia da linha 26 são um erro óbvio. Se a Torre de Menesteo foi o Castillo de D. Blanca e a segunda foz do rio de Asta (linha 27) a Enseada da Punta de Huete então as medidas das linhas 27 e 28 ajustam-se razoavelmente.

  • As linhas 30-32 estão intercaladas

  • A linha 30 é um mistério pois dificilmente seguirá após a linha 22, onde geograficamente deveria estar. A sequência Onoba > Mainoba faz lembrar Estrabão III,2,5.

  • As linhas 31-32 correspondem aparentemente a uma descrição da costa do Algarve no sentido oposto, de Ocidente para Oriente.

  • Se na linha 31 a distância fosse 240 em vez de 24, seria a distância real do Promontório Sacro a Ipses.

  • Os 70 stadia da linha 32 correspondem à realidade, da distância marítima entre as fozes da ria de Alvor e do Rio Arade. O fraseado da linha mostra que Cilibe se situa afastada da costa, o que corresponde à localização do povoado da Rocha Branca, no fundo Norte do estuário do Arade.

  • Falta uma linha após 29, a indicar a distância de Onoba ao Anas

  • A linha 34 parece corresponder exactamente a uma parte perdida do texto de Estrabão, a intercalar antes de III,3,1:

    "Agora, se começarmos de novo no Promontório Sacro, seguindo a costa na outra direcção, nomeadamente, para o Rio Tagus, há primeiro um golfo e depois um promontório, Barbarium, e perto dele, as bocas do Tagus; e a distância até estas bocas em linha recta é 10 stadia. Aqui, também há estuários; um deles estende-se para o interior desde a supramencionada torre, durante mais de 400 stadia, e ao longo deste estuário o território é banhado até Salacia."
    (Tradução da versão de H. L. Jones: Harvard University Press, 1917 thru 1932 (Loeb), minimalista, que não procura recriar partes desaparecidas do original.)

    Comentários sobre o texto de Estrabão:

    É de notar que Estrabão considera o Sado um estuário e não um rio, até Salacia.
    Na foz do Sado refere-se uma torre, que corresponderá à explicitamente identificada por Artemidoro como Torre de Salacia, na linha 34.
    Esta torre terá sido um farol, de modo semelhante à Torre de Cipião, descrita em III, 1, 9 (Kaipiónos pyrgos, ou seja *Caepionis Turris, hoje Chipiona). Localizar-se-ia ou na então ilha de Tróia (entre os estuários do Sado e o da Comporta, correspondendo ao plural do número de estuários em Estrabão) ou na escarpa sul da Serra da Arrábida, ou no próprio Cabo Espichel. ( o promontório Barbarum).
    O estuário do Sado, entre Tróia e Setúbal é assim considerado por Artemidoro o porto marítimo de Salacia.

    A distância entre as fozes do Tejo e do Sado variam imenso entre Artemidoro (320 stadia) e Estrabão (10 stadia), sendo a primeira muito mais próxima da realidade (67 km= 360 stadia).
    A extensão do estuário do Sado, ou seja, da parte navegável do rio, é indicada por Estrabão como sendo de 400 stadia, o que é uma boa aproximação da realidade (cerca de ??? stadia da Foz a Alcácer do Sal).
    As bocas do Tejo, no plural, corresponderão provavelmente aos braços de rio em torno do banco de areia da Cabeça Seca (hoje submerso com excepção do forte -farol do Saõ Lourenço do Bugio).

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